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Na reforma da Previdência, mulheres podem perder direito a se aposentar antes

A Professora de português Luciana Queiroz trabalha 46 horas por semana em uma escola estadual, mas sua jornada continua fora da sala de aula. Em casa, ela corrige provas e prepara o que vai ensinar. As horas restantes servem para deixar em ordem a casa que ela divide com o pai e o irmão para, enfim, descansar.
Sem filhos e solteira, a professora de 38 anos lida com problemas na voz e já foi afastada de suas atividades por stress. Em casa, ela é responsável pelas compras da semana, faxina e roupas lavadas no armário. “Tenho que chegar em casa e deixá-la limpa. Meu pai cozinha, mas sabemos que a obrigação é mais da mulher”, relata.
No Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta quarta-feira (8), o papel das mulheres na sociedade ganha o centro das atenções. Além de questões de desigualdade de salários, neste ano o debate chegou a Previdência Social em meio a discussões sobre a idade mínima de aposentadoria.
Luciana está no grupo de pessoas mais afetadas pelas mudanças propostas na Previdência Social. As professoras, que pela regra atual podem pedir a aposentadoria aos 50 anos de idade e 25 de contribuição, terão que trabalhar até 15 anos mais para receber o benefício do INSS, caso seja aprovada a idade mínima de aposentadoria de 65 anos, igual para homens e mulheres, servidores públicos e privados.
“Acho que não vou aguentar trabalhar no magistério até os 65 anos. Vou ter que prestar outro concurso e trabalhar em uma área menos desgastante”, cogita a professora. “A mulher tem que se aposentar antes porque ela já cuida de tudo em casa. Ela trabalha mais que o homem”, opina a professora.
Aposentadoria aos 65 anos para todos
A visão de Luciana, de que as mulheres trabalham mais que os homens e por isso merecem se aposentar antes, justifica as diferenças de gênero na legislação atual. Hoje as mulheres podem se aposentar cinco anos antes dos homens no Brasil.
Esta diferenciação está prevista na Constituição de 1988. A aposentadoria antecipada das mulheres foi adotada para compensar o fato de que elas assumem a maior parte das tarefas domésticas e cuidado dos filhos, de acordo com uma cartilha de 2006 da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que analisa os direitos das mulheres na legislação brasileira.
No passado, a própria Previdência Social reconheceu seu papel de “proteção social às mulheres”. Hoje a instituição é defensora da adoção de uma idade mínima igual entre os gêneros, de 65 anos. O principal argumento é equilibrar as contas da Previdência, já que as mulheres vivem mais que os homens e, portanto, recebem o benefício por mais tempo, apesar de contribuírem menos.
A medida foi apresentada em dezembro pelo governo federal, mas seu conteúdo ainda pode ser alterado por deputados e senadores. Para virar lei, o texto precisa do aval do Congresso.
Sonho adiado
Se a proposta do governo passar no Congresso, muitos brasileiros, especialmente as mulheres, terão de trabalhar mais para se aposentar. É o caso da gestora de RH Sônia Bramante, de 55 anos, que já viu o sonho da aposentadoria ser adiado por três vezes com reformas anteriores. Agora, a menos de 2 anos para se aposentar pela regra atual, ela teme ter que esperar mais.
“Sinto como se estivesse correndo atrás de fumaça. Cada vez que me aproximo da aposentadoria, ela dissolve no ar
Enquanto seu marido arrumou um emprego no litoral, Sônia continuou a trabalhar em São Paulo, à espera de completar o tempo mínimo da aposentadoria e mudar-se para a praia. No mercado de trabalho há cerca de três décadas, ela vai precisar esperar ao menos mais cinco anos para receber o benefício do INSS, se for mantida a regra de transição da reforma, aplicada a mulheres acima de 45 anos.
Anos atrás, ela contava que o sonhado dia chegaria aos 48 anos. “Sinto como se eu estivesse correndo atrás de fumaça. Cada vez que me aproximo da aposentadoria, parece que ela se dissolve no ar”, lamenta Sônia.
A visão de feministas e economistas
A proposta da reforma da Previdência dividiu opiniões e não há consenso nem entre as mulheres. De um lado, a proposta recebeu críticas de grupos feministas e entidades sociais, mas também foi elogiada por economistas e técnicos favoráveis à reforma.
"Querem tirar o pouco que temos"
Segundo a assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Natália Mori, o fim do diferencial de cinco anos entre homens e mulheres na Previdência significa a extinção da única política pública que enfrenta a desigualdade de gênero no mundo do trabalho. Para ela, essa mudança deveria vir depois que essas questões estivessem resolvidas no Brasil. "Querem tirar o pouco que temos", disse.
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fátima Guerra, entende que a Previdência tem um papel de corrigir distorções sociais e que aposentadoria antecipada da mulher minimiza questões de desigualdade no mercado de trabalho. "As condições que sustentam essa diferenciação [de idades] não mudaram na mesma velocidade com que o governo quer fazer a reforma".
Para a técnica do Dieese, a proposta do governo desvirtua o caráter de proteção da Previdência Social e passa a encará-la meramente como um seguro, aproximando-se da lógica de mercado da Previdência Privada, que leva em conta cálculos atuariais (de risco) para definir quem paga mais e quem recebe menos.
Já a professora da PUC-SP, Bete Adami, reconhece que a reforma da Previdência pode ser "cruel para algumas mulheres", mas defende a mudança na regra de aposentadoria. “Sempre existiu a dupla jornada, mas também sempre brigamos por direitos iguais e fica complicado pedir uma diferenciação agora”, considera ela, que defende uma diferença menor nas idades de aposentadoria de homens e mulheres.
"Sempre brigamos por direitos iguais e fica complicado pedir uma diferenciação agora"
Para a professora de economia da Universidade Positivo, Leide Albergoni, a proposta do governo é ruim para as mulheres, mas é boa para a saúde financeira da Previdência. “Esse é um dos fatores que contribuem para equilibrar as contas do setor público”, diz. Para ela, o fato de a mulher viver mais tempo faz com que ela pese mais para o estado e a reforma vai reduzir esse ônus.
O QUE DIZ QUEM APOIA
Mulheres custam mais à Previdência
As mulheres vivem, em média, sete anos mais que os homens. No Brasil, a expectativa de vida ao nascer para elas é de 78,8 anos, enquanto a deles é de 71,6 anos. Como se aposentam mais cedo, elas contribuem por menos tempo e recebem os benefícios por mais anos. Isso precisaria ser corrigido igualando as idades de aposentadoria, diz o governo no texto da proposta enviado ao Congresso. O governo defende que a Previdência Social precisa de mais receitas para ter um equilíbrio financeiro.
A mulher está evoluindo no mercado de trabalho
Segundo a proposta do governo, um dos motivos para igualar as regras de idade entre homens e mulheres é o fato de que a condição da mulher no mercado de trabalho, ainda que continue desigual, tem “forte tendência” de estar no “mesmo patamar do homem” em um futuro próximo. “Os novos rearranjos familiares, com poucos filhos ou sem filhos, estão permitindo que a mulher se dedique mais ao mercado de trabalho, melhorando a sua estrutura salarial”, diz o governo no texto.
As mulheres estão dedicando menos tempo às tarefas domésticas
O governo defende também que a melhora na educação das mulheres contribuiu para reduzir o número de mulheres que se dedicam exclusivamente a tarefas domésticas. A proposta cita dados da Pnad mostrando que o contingente de mulheres que se dedicam aos afazeres domésticos de 15 a 29 anos de idade caiu de 88,2% para 84,6% entre 2004 e 2014. Também diz que o número médio de horas semanais dedicadas a essas atividades diminuiu de 23,0 para 20,5 horas no mesmo período.
Outros países adotam regras iguais para homens e mulheres
O secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, afirmou ao G1 que, ao propor igualar as idades de aposentadoria, o governo está seguindo outros países. “Mundo afora a gente observa que uma tendência das reformas da Previdência é unificar a idade de homens e mulheres na aposentadoria e a gente está seguindo essa tendência”. Países como Estados Unidos, Noruega e Alemanha adotam idades iguais. Mesmo com a mudança, o Brasil ainda se enquadra na “Convenção sobre Normas Mínimas da Seguridade Social”, ratificada em 2009, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O QUE DIZ QUEM É CONTRA
A jornada da mulher é maior que a do homem
Dados da Pnad de 2015 mostram que as mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens por semana. Em 2015, a jornada total média das mulheres era de 53,6 horas, enquanto a dos homens era de 46,1 horas, quando se soma a jornada de trabalho e os afazeres domésticos.
Entre 1995 e 2015, não mudou a proporção de mulheres ocupadas com o trabalho doméstico: 90%, contra 50% dos homens que se dedicam aos mesmos afazeres.
A mulher recebe menos que o homem
Em 2015, as mulheres receberam 76,1% do salário dos homens, segundo dados da pesquisa Pand, do IBGE. Enquanto a média do rendimento real deles foi de R$ 2.058, o delas foi de R$ 1.567. “A diferença de renda entre homens e mulheres ainda é muito expressiva e não houve nenhum avanço significativo para corrigir isso”, defende Fátima Guerra, do Dieese.
A maternidade afasta a mulher do trabalho
Segundo dados da Rais de 2014, as mulheres permanecem em média 37,1 meses no mesmo trabalho, enquanto os homens, 41,7 meses. Segundo um estudo da ONU Mulheres, elas entram e saem mais vezes do mercado de trabalho devido às múltiplas tarefas de cuidados com os filhos e familiares. “É mais difícil para as mulheres contribuírem com a Previdência Social pelo tempo necessário para se beneficiar da aposentadoria”, conclui a entidade. Segundo o Cfemea, a falta de creches públicas também obriga muitas mulheres a abandonarem o mercado de trabalho.
Mais mulheres ficam viúvas e cuidam da família
Mais de 80% dos que recebem pensão por morte no Brasil são mulheres, segundo os dados mais recentes da Previdência Social. Serão elas as mais afetadas pela proposta de reforma que, se aprovada, vai extinguir o acúmulo de pensão mais aposentadoria, e permitirá que o valor do benefício seja menor que um salário mínimo. Segundo um estudo da própria Previdência apresentado em 2001 sobre o assunto, “o fato das mulheres chegarem à velhice sem companheiros e apresentarem uma participação considerável no total de chefes de família justifica a importância da Previdência como fonte de renda”.
Fonte: G1

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